Marcello Ovidio Lopes Guimarães

O ser humano, à semelhança de todos os seres vivos, tem dentro de si a centelha da vida, uma espécie de chama, se é que podemos assim denominar, que nutre o desejo de permanecer vivo e de dar continuidade à espécie.
Embora saibamos que somos mortais ou finitos, o que mais fazemos no dia-a-dia de nossa existência é fugir de situações que coloquem em risco a nossa vida. Queremos viver bem e para sempre. Desejamos isso, também, a quem queremos bem. Falar sobre vida é agradável, é simpático. Falar sobre morte, ao contrário, é desconfortável e traz lembranças que muitos não as querem ter em suas mentes.
O ser humano se organizou em famílias, tribos, grupos, nações e países nitidamente com o objetivo de se manter vivo e com qualidade de vida. O princípio básico de se viver em grupo ou em sociedade é o de proteção da própria vida e da vida de seus membros.
Em decorrência desse sentido de preservação da vida de seus membros, todas as sociedades, de que se tem notícia, criaram leis com severa punição a quem atentasse ou tirasse a vida de alguém do próprio grupo.
No mundo de hoje, além da proteção à vida, as constituições dos países em geral tratam de outras garantias individuais, entre elas: liberdade, igualdade, saúde, segurança, inviolabilidade da intimidade e da imagem etc., tudo com o objetivo de respeitar a dignidade humana. Nossa Constituição Federal abriga esses princípios e toda a nossa legislação infraconstitucional segue esses valores e busca respeitar os direitos humanos.
Então, o que se tem hoje na sociedade é um todo voltado para a preservação da vida, tanto no aspecto legal, quanto moral e no religioso. Todos estamos contaminados com esses princípios.
Por conta disso, há uma enorme resistência em se estudar o tema eutanásia, pois soa, logo de início, como algo contrário a tudo que está estabelecido e convencionado na sociedade.
Entretanto, não se deve agir dessa forma, frente a uma questão de tamanha importância quanto esta, embora desejemos não ocorra, pode vir à tona em qualquer família, face à inexorável realidade de que doenças ou acidentes podem acontecer, atingindo pessoas próximas a nós.
Portanto, muito oportuno o trabalho realizado pelo Dr. Marcello Ovidio Lopes Guimarães, o qual merece ser lido e estudado atentamente, pela relevância de questão ínsita à própria individualidade do ser humano, enquanto existente um sopro de vida.
Trata-se de obra baseada na tese de doutorado do autor, apresentada à Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo, com a qual obteve aprovação unânime, orientada pelo ilustre professor titular de Direito Penal, Dr. Vicente Greco Filho.
O estudo inicia-se com a noção geral sobre o tema eutanásico, procurando-se apresentar definições trazidas por autores dos mais diferentes matizes, na busca de uma definição que permita à norma legal amoldar-se ao conceito extraído, sob as garantias constitucionais - individuais e sociais - pertinentes. Segue-se a apreciação histórica da noção de morte, sua relação com a moral e a ética, a religião, a sociologia e o direito, assim como a ideia da morte piedosa no transcorrer do ordenamento jurídico pátrio.
O estudo aborda, também, as noções do direito à vida, do direito sobre a vida, do direito à morte e do direito de morrer dignamente, além dos princípios da dignidade da pessoa humana, da intimidade e da autonomia da vontade. Apresenta-se, ademais, uma classificação eutanásica essencial, mencionando-se algumas figuras que indevidamente se apropriam do termo, assim como é dispensada particular atenção aos critérios do estado terminal, da doença incurável e da dor intolerável. De igual modo fez o autor abordagem dos institutos da ortotanásia e da distanásia, e a relação da eutanásia com o suicídio assistido, o aborto, a manipulação de embriões e o momento (legal) da morte.
Anote-se, ainda, que, no trabalho elaborado pelo Dr. Marcello Ovidio Lopes Guimarães, fez-se a análise da relevância do consentimento do interessado, os diferentes entendimentos acerca dos aspectos jurídicos da eutanásia, de sua relação com o balanceamento de bens jurídicos tutelados e vulnerados, e dos fundamentos constitucionais para a incriminação, a mitigação especial de pena ou impunidade da conduta.
No estudo, analisaram-se os projetos de lei pátrios e a legislação estrangeira sobre o tema, sendo ainda discutidos alguns tipos penais a ele pertinentes e formulados, genericamente, novos tipos.
Como se vê, o objeto deste bem elaborado estudo “Eutanásia em Novas Considerações Penais”, versa sobre tema polêmico e atual.
O trabalho realizado pelo Dr. Marcello Ovídio Lopes Guimarães é de grande valor para sociedade e, certamente, será fonte de consulta nos meios acadêmicos e jurídicos.
Massami Uyeda
Ministro do Superior Tribunal de Justiça
Mestre e Doutor em Direito pela USP
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